terça-feira, 13 de maio de 2014

IV Ultra Trail de Sesimbra

Esta prova estava marcada na minha cabeça desde que comecei a correr em 2012. Na altura da sua II edição estava em Sesimbra e vi o pessoal a correr no Cabo Espichel e fiquei com o bichinho cá dentro. Fiz uma preparação razoável com algumas provas de preparação pelo meio, sendo a prova dos Trilhos de Almourol um grande teste para tentar perceber se conseguiria terminar uma prova desta envergadura. Afinal os Trilhos de Almourol foram mais difíceis, do que o previsto para todos, não só para mim. Eu e o meu amigo Rui Soeiro fizemos algumas provas e treinos juntos e estabelecemos como objectivo terminar este Ultra Trail o nosso primeiro. Fomos no dia anterior à prova com as respectivas famílias, aproveitando para levantar os dorsais logo nesse dia e dormimos logo em Sesimbra na noite anterior. 

No dia da prova, que começava às 8h, levantámos-nos e fomos tomar o pequeno almoço por volta das 7h, comi o habitual que costumo comer antes das provas: sumo e torradas. Aproveitei para encher com água, um boião extra que levava para a prova, que mais tarde perdi-o durante a corrida... Chegados à zona da partida ficamos à conversa alguns minutos e por cima através do speaker da organização ouvimos para nos dirigirmos para o garrafão da partida. Muito lentamente e sem grande vontade, o pessoal começa a concentrar-se dentro do garrafão da partida, após nos questionarem se tínhamos todo o material obrigatório: telemóvel, copo e recipiente com água.  A partida deu-se com um atraso de 10 minutos porque o pessoal atrasou-se no levantamento dos dorsais. Partida dada em contagem decrescente e lá fomos nós para a nossa Ultra aventura. O primeiro km foi feito em alcatrão e em terreno plano, até que a partir do 2 km e até ao 5 km fomos sempre a subir, como estratégia para nos pouparmos fisicamente, optámos logo desde o início fazer todas as subidas a passo. 






Foto de Espiral Photo

Ao 3km surgiu a "parede", um das subidas mais difíceis e perigosas de todo o percurso, felizmente a paisagem maravilhosa dava para esquecer um pouco o sofrimento da subida. Por volta do 4 km surgiu o primeiro abastecimento, apenas liquido. Ao 5km tivemos uma descida perigosa que depois nos obrigou a termos uma nova "parede" para escalar. Até ao 9 km, sensivelmente foi um sobe e desce constante com subidas muito duras e descidas perigosas. O segundo abastecimento surgiu por volta do 9km, o posto de abastecimento estava muito concorrido e tinha tudo o que era necessário, água, isotónico, frutos secos, laranjas, bananas, sal, marmelada. Tivemos alguns minutos a abastecer e seguimos, desta vez para baixo quase até ao mar por uma descida perigosíssima, muito inclinada com pedras soltas e à direita um pequeno muro em cimento. Este muro tinha uns pilares e cordas (colocadas pela organização) que nos permitiam agarrar e abrandar. Mesmo no final da descida, escorreguei e caí para trás, fiquei sentado no chão, com a queda abri um buraco na mão esquerda e raspei o braço direito no muro de cimento ficando com duas "belas" feridas a sangrar abundantemente. O Rui viu a minha queda e perguntou-me se estava bem. Ferido no orgulho levantei-me e segui, como a ferida da mão esquerda não parava de sangrar limpei as feridas com água do boião de água e estanquei a ferida da mão esquerda com um lenço de papel. Ao 10.5km surge nova "parede" para escalar, esta foi mais difícil porque praticamente só tinha o braço direito em bom estado. Do 13 km até ao 16 km  fomos  subindo e descendo pelas escarpas junto ao mar. Chegados ao farol do Cabo Espichel o estado de espírito mudou não só por termos atingindo o marco importante mas por termos chegado ao terceiro abastecimento. 






Foto dos Rail Runners

No abastecimento pedi algo para puder desinfectar as feridas mas infelizmente não tinham. Tive de esperar pelo próximo abastecimento daí a 8 km mais ou menos. Passámos ao lado do Santuário da  Nossa Senhora do Cabo e não por dentro, seria mais bonito se fossemos pelo meio.  











Fotos de Ricardo Taxa

Continuámos sempre junto ao mar com uma paisagem de cortar a respiração, com grandes escarpas à nossa esquerda. Por volta do 22 km tivemos uma descida muito complicada para descer, escusado será dizer que a subida que tivemos que enfrentar foi mais uma daquelas colossais. Ao 24 km descemos pelas escarpas mesmo até ao nível do mar, correndo em cima das rochas e passando uma praia muito interessante e com montes de gente dentro de água. O que nós pensámos (em ir dar um mergulho) outros realizaram, um casal foi ao banho para arrefecerem. Logo a seguir surgiu o quarto abastecimento, aí pude finalmente desinfectar as feridas com uma bisnaga de betadine que um elemento da organização me forneceu. Os abastecimentos mais uma vez foram excelentes em qualidade e quantidade, eu e o Rui fomos comendo entre outras coisas, banana com sal que nos permitia recuperar os sais perdidos e ingerir magnésio e zinco a fim de evitar as caimbras. Depois de estarmos alguns minutos no abastecimento seguimos e uns 2 km mais à frente surge nova descida brutal seguida de uma enorme subida. A partir do 26 km surgiu o calvário de km e km em areia seca de praia pelas dunas das praias do Meco. Depois de correr lentamente, ou andar rápido, chegámos ao quinto abastecimento, neste abastecimento houve imensos atletas a desistirem devido ao calor intenso que já se sentia e aos km em areia. Neste abastecimento tivemos sentados no chão algum tempo a tirar montes de areia de dentro das sapatilhas, comportamento que se repetiu por quase todos os atletas que estavam no abastecimento. Íamos com cerca de 5h30 de prova e apenas 30 km feitos. Foi um pouco desmotivante ver montes de atletas desisitirem e irem embora no carro da organização. Nós estávamos determinados a terminar a prova nem que demorássemos o dia inteiro. Neste abastecimento havia sandes de paio, que tentei comer, mas apenas consegui comer o paio deixando o pão. Já um pouco mais restabelecidos partimos para mais uma etapa, desta vez até ao 39 km onde se situava o próximo abastecimento. Mas afinal a areia ainda não tinha acabado, andámos mais uns quantos km em areia pelos pinhais de Sesimbra. Atravessámos várias estradas de alcatrão e continuávamos sempre a correr em areia solta depois tantos km seguidos de areia vinha com dores nos tornozelos e nos joelhos.  Ponderei mesmo em desistir  no abastecimento, ao 39 km porque vinha em sofrimento com dores, com algumas dificuldades em respirar e já tinha perdido a vontade de correr. Comecei a ficar em baixo psicologicamente porque tinha treinado durante tantos meses para esta prova e ponderava desistir, abandonando o meu amigo Rui Soeiro, que muito provavelmente iria sozinho até ao final. Alguns minutos a caminhar e a desabafar com o Rui e ao 37km vemos uma casa com um casão e um cones florescente no chão, pensei que fosse o controlo de tempo. Até acertei na parte dos cones, era um controlo de tempo, mas olhamos para a esquerda e vemos o abastecimento! Fiquei aliviado por finalmente puder descansar sentando-me. Neste abastecimento havia canja, o Rui muito amavelmente perguntou-me se queria canja e foi buscar-me uma para mim. Após comer a canja comecei a sentir-me melhor, levantei-me continuei a comer, fruta, pão com presunto, beber água, isotónico e coca cola. Depois de me refrescar debaixo de uma torneira que havia no casão, troquei de tshirt, para outra tshirt de alças. Entretanto liguei à minha mais do que tudo a dizer que estava a pensar em desistir porque estava cansado e estava no 37 km, ela respondeu-me: - ainda? já chegou montes de pessoal e há muito tempo... Ora mas que bom incentivo, uma pessoa está ali cansada e ainda longe da meta e ouve uma coisa daquelas... Sinceramente... Já um pouco mais restabelecidos lá arrancámos devagar para não estragar o que tínhamos estado a recuperar. Pensei se não aguentasse até ao fim ficaria no próximo abastecimento já na pedreira, mas sabia que a partir da pedreira até ao final faltaria muito pouco portanto pensei que ia conseguir chegar ao fim. Uns quantos km mais à frente molhámos finalmente os pés, num pequeno riacho, passámos por um morangal. O terreno começou a mudar e deixámos de ter areia e passámos a ter um piso já nosso conhecido, terra alaranjada e com alguma pedra à mistura. Depois de uma descida brutal e perigosa com muita pedra no chão, passámos por um atleta que vinha a caminhar, falei com ele e tentei dar-lhe força, mas ele disse que tinha os pés em muito mau estado e iria desistir. Tentei demovê-lo a dizer que já faltava pouco para o final, mas penso que terá mesmo desistido. Eu e o Rui chegámos ao abastecimento e encontrámos o Pedro Coelho, que pertencia à organização, depois de uns minutos à conversa com ele, seguimos em direcção à pedreira. Quando vi aquela paisagem já conhecida da minha pessoa fiquei logo com outro ânimo, como se estivesse em casa, no ano transacto tinha participado na versão curta da prova.  Fiquei extremamente motivado por estar num local que já conhecia e por saber que já faltava pouco até ao final, já "cheirava a meta!" Depois de ir aos pulos de alegria durante 2 km saímos da pedreira e fomos aproximando do último ponto a conquistar, o Castelo de Sesimbra. A subida até ao Castelo deu-me cabo da alegria toda e o fôlego que tinha recuperado no último abastecimento. Nesta subida, até ao Castelo, o Rui foi à frente e eu fui a seu reboque até ao último abastecimento. Cheguei ao abastecimento sem qualquer tipo de fôlego, sem conseguir falar, imaginem o esforço que fiz... No ponto de abastecimento só consegui pedir um copo de coca cola e para não estarmos a perder mais tempo seguimos para fora do Castelo e até ao final seria sempre a descer. Mas ao contrário do ano passado, tivemos que percorrer mais um km do que ano passado, mas valeu a pena porque passámos perto de uma pequena queda de água. Durante a descida comecei a ter dores na zona abdominal, por baixo das costelas flutuantes, dores nos tornozelo e joelhos. As últimas centenas de metros foram feitas no alcatrão e depois em cima do passadiço, já na praia. Na meta estavam as nossas mulheres e as filhas do Rui. O Rui tentou passar a linha de meta com uma das suas filhas mas ela não se sentiu à vontade e acabou por transpor a linha de meta sozinho. No final agradecemos um ao outro pelo esforço e apoio mútuo.  Terminámos a prova em 9h40m, terminámos a prova em 146º e 147º (Rui) em 186 atletas que chegaram ao final da prova. Partiram 244 atletas e chegaram ao fim 186 atletas, desistindo 58 atletas, cerca de 23% não concluiu a prova, em grande parte devido aos 30º C, que se fizeram sentir nesse dia em Sesimbra. Quero agradecer ao meu companheiro desta Ultra aventura, Rui Soeiro, pelo apoio e companhia durante toda  prova e claro à minha mulher Marta por me acompanhar nestas aventuras e ter estado um dia inteiro à minha espera... ;)


Para a posteridade fica o excelente filme que o Rui fez sobre a prova. 


5 comentários:

  1. Muitos parabéns! Grande relato! Mais uma vez parece mesmo que estive lá! ;)
    Foi uma grande aventura, daquelas que ficarão, a primeira ultra! Eu é que agradeço, porque se não fosses tu nem me tinha inscrito! Agora é recuperar e preparar a próxima! Sim, porque depois de Almourol estava um pouco renitente em meter-me noutra, mas em Sesimbra fiz as pazes com as provas longas!
    Grande abraço!

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  2. Ultra parabéns Silvio e que seja a primeira de muitas boas aventuras.
    Abraço

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  3. Parabéns Sílvio! Grande superação! Venham mais...

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  4. Muitos parabéns, Sílvio! Gostei de ver, bela estreia (oficial :)) nas ultras, com superação de calor e tudo.
    Esse vídeo está uma bela recordação!
    Beijinhos

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  5. Épico!
    Parabéns e ainda ganhaste 2 medalhas!
    Espero que já esteja tudo bem!
    Abraço

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